Por Elena de Regoyos, jornalista, doula, assessora de amamentação, proprietaria de www.mamaememima.com e co-criadora da formação Bebê no Pano.
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O que é
instintivo para você, o desejo, a vontade de ficar grudadinha no seu bebê, ou a
maneira em como fazê-lo?
Pegar nosso
bebê no colo é instintivo, porque somos mamíferas “carregadoras”, primatas,
cuja cria nasce e não sabe andar atrás da gente, então a levamos no colo.
Acontece
que elas não se seguram sozinhas no nosso pelo, como os outros primatas. E
acontece que somos bípedes e precisamos das mãos para usar ferramentas. Dai
inventamos outra ferramenta, um carregador de bebês, uma que ajuda nós, mães “carregadeiras”, a manter
nossa cria grudadinha, enquanto nos locomovemos e usamos as mãos para outras
coisas.
Como usar
essa ferramenta, seja ela uma pele de bicho, um tecido, um cipó? Isso se chama técnica.
Mais ou menos elaborada, mais ou menos vinda naturalmente, mas é técnica.
Quando isso
começou acontecer, lá milhares de anos atrás, em todo canto do planeta onde
tinha espécie humana, a consciência corporal, a propriocepção, existia intensamente. Então,
o como acomodar um bebê, no formato em que ele nos mostra que precisa, no nosso
corpo que está em ação e movimento, acontecia baseado no conforto, na
segurança... de uma espécie animal com alto grau de consciência corporal.
Aconteceram, depois, três coisas:
1. A
industrialização popularizou todo tipo de artifícios que facilitasse o
afastamento de mães e bebês, para as mães poderem sair de casa, deixando as
crias, e trabalhar na indústria: a cultura do carregar bebês foi se extinguindo
na sociedade industrializada.
2. O
capitalismo e funcionamento social que ele trouxe, a era digital também, e
outros muitos fatores, fizeram com que o “bicho humano” industrializado
perdesse grande parte dessa consciência corporal. Ouvir nosso corpo, confiar
nele, sentir o que ele nos transmite e respeitá-lo, é incomum hoje entre nós.
3. Se perdeu
a cultura do carregar, portanto as crianças começaram a crescer sem ser
carregadas, sem carregar irmãos menores e sem ver as mulheres da aldeia ou
entorno delas carregando outros bebês ou crianças.
Lembremos
que somos animais culturais, sociais, e aprendemos por imitação. Primatas tem
isso. Gorilas fêmeas que cresceram em zoológicos sem contato com outras fêmeas
que criam filhotes, quando parem sua cria, não sabem se comportar. A gorila não
tem instinto? Ou a gorila foi interferida na forma em que ela precisava
(imitando outras fêmeas) para dar saída ao seu instinto?
Acontece com
amamentação, certo? Por que hoje tem tantas consultoras e grupos de apoio a amamentação? (Graças a deus!). Mas não existe instinto? As mães mamíferas não tem mais instinto? Elas não deveriam amamentar instintivamente?
Para que
ter consultoras, livros, grupos no facebook, blogs, congressos... sobre
amamentação? O instinto não basta? Entender como funciona nosso
corpo de mulher para produzir leite, saber como os hormônios agem, nos rodearmos de
outras mães que amamentam, vem ajudando muito as mães mamíferas de hoje que
também foram interferidas, interrompidas, no instinto mamífero de amamentar.
Assim como fomos interrompidas e interferidas no instinto mamífero de querer
ficar grudadinhas às nossas crias.
Temos o
instinto de querer ficar grudado ao nosso bebê, mas não mais a técnica de
como amarrá-lo no nosso corpo, embasada na consciência corporal, e na
transmissão cultural/social, de uma aldeia que carrega.
PRECISA DE
TÊCNICA?
O instinto
é de querer carregar perto a cria. Como fazer isso usando ferramentas (tipoias,
cordas, panos, redes, peles...), chama-se técnica. Técnica surgida da intensa auto
percepção corporal daqueles humanos de milhares de anos atrás, técnica mantida
e transmitida culturalmente nas próprias aldeias, geração a geração, em lugares
onde ainda existia essa percepção corporal.
Eu não
nasci em uma aldeia onde as mulheres do meu entorno carregassem as crias.
Eu não
cresci sendo carregada por minha mãe (sou oitava de 9 irmãos, me carregar em um
pano poderia ter ajudado muito ela!).
Eu não
tenho uma auto consciência corporal nutrida, estimulada e respeitada,
desde a infância.
Eu tinha e escutei meu
instinto de querer ficar grudadinha ao meu primeiro filho.
Eu não
soube como fazer isso, não tinha referências.
Eu comprei um canguru, me senti desconfortável.
Eu comprei um
wrap, me senti desconfortável.
Eu não
sabia. Eu não tinha técnica.
Eu tinha
instinto de ficar grudada nele (primeiro filho). Eu não tinha técnica.
Eu queria
ter sido carregada, e queria ter vivenciado o carregar como algo natural na
minha cultura. Eu queria ter sido estimulada e respeitada na propria consciência corporal. Mas eu não tive esses três fatores.
Eu precisei
aprender sobre fisiologia do bebê, sobre desenvolvimento do corpinho dele,
sobre tipos de panos e as caraterísticas que cada um me ofereceria na hora de
carregar, sobre formatos de carregadores e pros e contras de cada um, sobre ajustes
nesses panos para conseguir conforto e segurança, sobre meu próprio corpo. Eu
precisei aprender.
E ai sim:
eu fiquei confortável.
Eu
carreguei.
Eu carrego.
Eu ensino a
carregar.
Eu formo
assessoras que, como eu, também ajudam outras mães a usarem esta técnica.
Estamos recuperando uma têcnica para que ela volte a ser transmitida culturalmente. E pesquisamos sobre ela, porque amamos o ato de carregar bebês.
Tenho certeza de que nossos filhos, talvez amanhã, não vão precisar aprender, porque eles
foram carregados, e viram carregar. E carregaram. Com sorte os estimulamos na auto consciência corporal também.
Meus filhos
carregam bonecos, e carregam a própria irmã, de forma surpreendentemente natural e fisiológica.
Eu jamais “ensinei” eles com palavras ou palestras. Eles foram carregados. Eles
vêm carregar. Eu sou grata a isso que lhes dou.
Sobre técnica: as pessoas no Japão comem com hashi, aqueles palitos de bambu com os que pegam a comida para levá-la a boca. Nós, ocidentais, habitualmente achamos isso um desafio, e quem consegue usar o faz daquele jeito "mais ou menos". E não é que as crianças japonesas sabem usar o hashi com facilidade?
Comer é instintivo. O Hashi é a ferramenta. Usar "os palitos" para comer requer têcnica. Querer ficar grudadinho é instintivo. O porta bebê é a ferramenta. Usar esse pano para ficar colado ao bebê requer têcnica.
Para mim, que nunca vi o hashi ser usado no meu entorno familiar e social, e que nunca o usei até a idade adulta, resulta complicado comer com eles (até me viro, vai, mas um japonês riria na minha cara, com certeza). Para a criança japonesa, é uma técnica relativamente simples, pois cresceu observando, e praticando.
Para concluir de forma mais descontraida, e como uma querida amiga me lembra:
"Tem algo mais instintivo do que sexo? E não é que há dois mil anos alguém foi escrever o Kama Sutra, um manual de posições e práticas para termos orgasmos mais intensos e duradouros?". Lógico que podemos viver e desfrutar sem técnicas específicas que aumentam o prazer na cama. Não é por ai. O tema aqui é carregar bebês, e envolve outras questões.