Os folderzinhos que eles repartem na consulta do pré-natal são rigorosos com as normas para garantir um sucesso no aleitamento materno, e vão preparando à mãe desde a gravidez para acreditar em que essa é a melhor opção. Insistem na livre demanda, na inexistência de “leite ruim” ou crenças como “eu tenho pouco leite”, incidem na importância do primeiro contato rápido e constante mãe-bebê após o nascimento para ele começar mamar quanto antes e recomendam a assistência a grupos de apoio devidamente informados sobre amamentação. Até aí tudo ótimo.
Hoje eu fui à minha primeira consulta de pré-natal no CAISM, e saí revoltada.
Reuniram a um grupo de umas 8 mães que iniciávamos o pré-natal lá em uma sala onde uma enfermeira ia nos informar de algumas coisas. Ela deu para todas nós um folder com informações corretas sobre amamentação e falou um pouco sobre isso. Disse que o melhor para o bebê é o leite materno, ao que uma das mães grávidas, que a partir de agora será denominada “mães de gêmeas” expôs:
-Precisamente por isso eu estou preocupada, pois sei que o meu leite é o melhor, mas sendo que estão vindo duas bebês, será que eu consigo amamentar?
(Trata-se de uma mãe de mais de 40 anos que já tem 5 filhos aos quais amamentou até quase o primeiro ano de idade).
A enfermeira diz:
-No seu caso não vai dar certo, você vai ter que complementar com mamadeira, como mínimo.
Eu não consigo me conformar com que em um Hospital Amigo das Crianças seja dada uma resposta absurda deste tipo a uma mãe com desejo de amamentar às suas filhas gêmeas, e interrompo:
-Eu gostaria de te indicar uma entrevista que eu fiz à uma amiga mãe de gêmeas que amamenta não só a elas, senão também à sua terceira filha, nascida quase 4 anos depois. Talvez o depoimento dela te interesse e transmita a confiança necessária para tentá-lo, pois o seu corpo esta preparado para isso. Uma ajuda profissional para resolver dúvidas e inseguranças seria muito apropriada no seu caso, e eu me ofereço a fazê-lo pessoalmente, de forma gratuita.A enfermeira me espeta:
-Não concordo com isso, você esta criando falsas expectativas e se ela não conseguir vai se sentir frustrada e até culpada.
Explico que só pretendia ajudar oferecendo o depoimento de uma mãe que conseguiu, como muitas outras também podem, mas depois opto por permanecer calada.
A mãe de gêmeas pergunta se ela terá leite suficiente e a enfermeira responde:
-O único que vai você fazer aumentar a produção de leite é tomar muita água, só se você tomar muita água, entre 2 e 4 litros por dia, vai ter leite suficiente. Mas isso não garante que vá ter para as duas, viu?
Eu fico impressionada com o fato de um Hospital Amigo das Crianças terem uma profissional tão absolutamente desinformada no relativo à amamentação, que não fala da importância da livre demanda, de que a produção se estabelece em função da demanda do (ou dos) bebê(s), que se têm um bebê que demanda muito e você garante esse abastecimento quando ele pede, o seu corpo vai produzir leite suficiente para ele, e se em lugar de um são dois bebês demandando, o corpo também vai dar resposta a esta demanda, sempre e quando você coloque às bebês para mamar cada vez que elas peçam. Ela não falou de prolactina, de oxitocina... Não, ela falou de água como um milagre produtor de leite, e depois concluiu que “nem isso garante uma produção suficiente, principalmente no seu caso, que são gêmeas”.
Mas eu já tinha optado por escutar e calar. Depois em privado ofereci o meu cartão para a essa mãe, no caso dela querer uma ajuda com a amamentação das filhas dela.
Uns quinze minutos depois a enfermeira começa fazer a ficha de cada uma, na frente das outras (o que considero constrangedor, pois continha perguntas tão pessoais e íntimas como: “a sua gravidez foi buscada ou foi um susto?”, “Você ainda esta com o papai do bebê?”). Na hora da mãe de gêmeas, ao perguntar pela idade dela, ela responde: “44 anos, sou a avó grávida” e começa tremer de vergonha pela confissão da idade dela (previamente tinha me comentado em baixinho que estava sofrendo muita ansiedade em esta gravidez porque não a esperava, e tinha vergonha de estar com essa idade com a barriga crescendo, precissando até de ajuda psicológica). Depois disso, ela não consegue nem responder o numero de telefone nem endereço, explicando que se sentia muito nervosa pela entrevista que estava realizando em esse momento.
A enfermeira pergunta:
Enf- Amamentou os seus outros filhos?
Mãe de G- Sim.
Enf- Quanto tempo?
Mãe de G- Algo menos de um ano, não sou muito de ficar amamentando crianças algo maiores.
Enf- Está ótimo, nem precisava de mais.
(Eu também acho bom que uma mãe chegue até o primeiro ano, ou menos ainda, se é o desejo real e informado dela, como parecia o caso).
Outra mãe comenta:
Mãe 1- Eu conheci uma mãe que amamentava ao filho com 4 anos!
Mãe 2- Isso para quê?
Enf- Não é necessário em absoluto fazer isso.
Mãe 1- Claro que não! Se ela já toma mamadeira e comida, para quê continuar pendurada no peito?
Mãe 2- Então para quê?
Mãe 1- Por besteira da mãe.
Enf- Por carência da mãe.
É um Hospital Amigo das Crianças...
Continuo calada, escutando com uma mistura de raiva e pena.
Quando a mãe de Gêmeas sai da sala, vira para mim e me pisca um olho. “Obrigada”, eu penso, e acredito que ela ainda vai conseguir.
Elena de Regoyos
-Doula de puerpério e assessora parental
-Doula de puerpério e assessora parental
-Consultora de slings e amamentação