Bom, para começar, eu acho que o primeiro é definir “tempo de qualidade”. Os “especialistas” (aliás... especialistas em quê?) andam falando ultimamente muito em isso do tempo de qualidade. Eu tenho até lido que “com meia hora por dia de tempo de qualidade com os filhos é suficiente para forma um vínculo estável”.
Vamos ver... De 24 horas que um dia tem, você esta me contando que se eu passo meia hora (de qualidade, sim) com o meu filho, ele vai ficar feliz e satisfeito? Eu acho que essa pessoa nunca se apaixonou, pois eu lembro muito bem a sensação de querer ficar às 24 horas do dia com o meu amor, querer aproveitar cada minuto, cada momento livre do dia (e da noite) para me grudar em ele, falar com ele ou, simplesmente, estar com ele. Pois é, às vezes basta com estar, porque presença é qualidade. Não era necessário ir ao cinema, preparar um jantar especial ou fazer uma trilha na cachoeira, a maioria das vezes bastava com ESTAR.
Pensemos, então, nos nossos filhos, como os nossos grandes apaixonados. Eles gostariam de ficar às 24 horas do dia grudados em nós, só que lamentavelmente isso não é possível. São muitas as mães que precisam sair trabalhar para ganhar um dinheiro sem o qual não poderiam viver nem pagar as despesas da família. São muitas as que não podem pedir uma redução de jornada e salário, e também muitas que não querem renunciar a essa parte da vida delas. Tudo bem, o importante é cada qual escolher o que puder, segundo as suas circunstâncias.
Pílulas para aliviar a culpa
É para essas mães que foi, eu acredito, inventado isso do “tempo de qualidade”, que ajuda muito para acalmar consciências. Pois a mãe que passa fora de casa tantas horas, longe do filho, se sente mal, se sente culpada. Esse sentimento ruim que não traz nada de bom e no qual tão fortemente temos sido educados no ocidente... A culpa!
Essa mãe é vítima de um sistema devorador que é a sociedade atual, na qual quem não produz fica de fora. Ela produz (trabalha ganhando dinheiro fora de casa) e também consome (precisa de uma escolinha ou similar com quem deixar o filho dela), e assim tudo funciona (economicamente falando). Então é isso, ela é vítima, mas sente-se culpada, e daí vem os grandes gurus vendedores de livros falando em “tempo de qualidade” para acalmar essas consciências.
Mas as mães não são bobas, não. Por muitas falações em esse sentido que escutem, elas ainda sentem que esta faltando alguma coisa... Pois uma mãe onde realmente quer estar quando vira mãe é com o filho dela, e não tem outra. Senão o tempo todo, a maioria dele, enquanto dure o seu puerpério.
Se culpar por não poder fazer o que sente que quer ou precisa fazer, não adianta. Talvez o mais útil em este caso seja se compreender a si mesma, aceitar o seu sentimento de mal-estar, tristeza ou até raiva pela situação, repensar a sua realidade, ver se pode mudar alguma coisa para ficar mais a vontade, e uma vez tenha na sua frente a realidade das suas circunstancias, aceitá-la e dedicar ao seu filho todo o tempo que puder quando estiver com ele às tardes, às noites (mais um ponto positivo para o co-leito ou cama compartilhada, que é uma ótima maneira de compensar em certa forma ausências diurnas, daí que muitas crianças comecem acordar muito mais e reclamar a mãe durante as noites, quando eles começam passar mais tempo separados durante o dia) e nos finais de semana. Delegue tudo o que fôr possível nos outros e faça isso que dentro de uns poucos anos já não vai poder fazer mais: brinque com o seu filho.
O que é tempo de qualidade?
Mas voltemos a essa pergunta inicial... o que é tempo de qualidade? Para uma criança, que precisa de contato permanente com o seu cuidador nos seus primeiros anos, qualidade é se sentir prioritário. Qualidade é que a mãe entre em casa e o primeiro que faça não seja fazer uma ligação, estender roupa no varal ou pôr o arroz para cozinhar. Para uma criança qualidade é ver a sua mãe entrar em casa e comprovar que ela estava esperando tanto esse momento quanto ele, que ela mal tira os sapatos e já esta com a bunda no chão ao lado dele esperando entrar no seu mundo de fantasia. Qualidade é ficar desse jeito um tempão, sem interrupções para fazer uma ligação, para secar o cabelo ou para pôr roupa para lavar. Depois poderá fazer isso. Mas agora, se o que você quer é dar qualidade, fique onde esta e se permita esse momento de prazer junto ao seu filho. Que não exista mais nada na sua cabeça, esqueça as preocupações, os afazeres, as regras...
Porém, como antes indicava, eu acho que quantidade de tempo já é qualidade em si, pois não têm nada melhor para uma criança que ficar com os pais dela, quanto mais tempo melhor. Então, qualidade é fazer feira com mamãe, ajudá-la escolher legumes e ver como ela se relaciona com o pessoal do supermercado. Qualidade é ajudá-la tirar roupas da máquina de lavar e ir passando os prendedores quando ela vai estendendo ela no varal. Qualidade é parar para comer uma fruta juntos. Qualidade é cozinhar esses alimentos que os dois foram comprar de manhã cedo. Tomar um banho sem presas, fazer cócegas... Tempo é qualidade.
Como o grande Armando Bastida (pai comprometido) diz, “Não há melhor forma de ensinar a viver a uma criança que permitir que ele viva a nossa vida a través dos seus olhos, fazendo-os partícipes do cotidiano”.
Brinquemos
Uma vez assumido isso chega a parte mais complicada: temos que brincar. Parece fácil, parece até tonto... Mas não o é, não. Sentar a bunda no chão e entrar no mundo das crianças não é tão simples. Geralmente caímos no erro de nós, adultos, inventarmos a brincadeira, nós estabelecermos as regras, nós dirigirmos a ação. Rara vez nos deixamos levar pelo que a criança quer fazer, pois nós gostamos de regras básicas e roteiros pré-estabelecidos, e eles são criatividade e espontaneidade em estado puro, coisas essas com as quais faz tempo que nós perdemos o contato. Sentimo-nos incômodos com essas “regras do jogo”, não as dominamos, e rapidamente inventamos uma outra coisa, a qual seja possível dirigirmos com as nossas próprias regras. Ou senão saímos com um estratégico “vou ver se a comida do forno esta queimando”.
Se impusermos regras, estaremos levando de novo à criança para esse mundo adulto no qual esta obrigado a viver o dia todo (com horários de entrada e saída da escola, obrigações, normas de comportamento...). Brincar “bem” é parecido demais com “se comportar bem”, e isso já não é brincar!! A psicóloga argentina Laura Gutman o explica assim:
“Para que serve brincar com os nossos filhos? É a forma mais direta de entrar em relação com eles. Geralmente pedimos para eles que se adaptem ao mundo dos adultos. Brincar com eles é fazer o caminho inverso: nós nos adaptamos por um tempo ao mundo das crianças. Parece ser um combinado justo”.
Tentem brincar com as regras do jogo que seus filhos estabeleçam, tentem se deixar levar por eles. Não é fácil e muito provavelmente você se sinta perdida às primeiras vezes, mas saberemos que estamos no caminho certo se a criança desfruta, seja trocando pedaços de papel cortados sem fins estéticos, fazendo cambalhotas ou imitando caretas com sons esquisitos. Como a Laura Gutman diz, “se a criança não esta envolvida, mas nós estamos nos divertindo, estamos esquecendo a criança real e estamos brincando com a nossa criança interior. E isso aí, que é muito bom, podemos fazê-lo em outro momento”.
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Elena de Regoyos
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