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miércoles, 11 de enero de 2012

Crianças “boas”, crianças “más”... E a chantagem emocional da mágica do Natal

Acabaram as festas de Natal, que aqui na Espanha começam com o sorteio da lotería do dia 22 de dezembro e terminam com a chegada dos Reis Magos a noite do 5 ao 6 de janeiro (também acompanhado pela loteria “del Niño” esse mesmo dia).

Deixo para outro dia o nojento consumismo que vivemos também por causa disso... É questão de outra análise. Mas vi fotos de salas de amigas ou conhecidas, nos dias de ganhar presentes, que me deixaram realmente enjoada. Não quero imaginar nem o dinheiro que tudo esse monte de presentes pode ter custado, nem os estragos que isso pode fazer na cabeça de uma criança, que nem alcança entender que tudo isso é para ele, incapaz de abarcar nem mental nem fisicamente tal excesso.

Mas eu quero falar, precisamente, dos Reis Magos, ou melhor dito, de como a sociedade utiliza esse dia de mágica, fantasia e ilusão para fazer chantagem com as crianças, ameaçá-las durante todo o Natal (e vários meses antes, até), e fazê-las sentir julgadas, observadas e avaliadas a cada passo que dão... “porque senão os Reis Magos vão te trazer carvão”.

O que é isso? Vamos viver a mágica de uma tradição, ou vamos inventar mais uma ferramenta de submissão de filhos?

Eu fiquei cansada estes dias, irritada e raivosa com cada comentário que meus filhos (e eu) tivemos que escutar diariamente, de conhecidos e desconhecidos, lhes ameaçando com não ganhar presentes dos Reis Magos se eles não eram boas crianças. E o que dizer daqueles que lhes comparam entre eles: “Quem se comporta melhor dos dois? Eu acho que você é mais bonzinho, ele tem mais cara de sapeca, não é? Será que os Reis Magos vão te trazer algum presente ou vão ser todos para o seu irmão?”. Desculpem???

Tanto é assim que o meu filho mais velho, de 5 anos, acabou me dizendo o seguinte: “Mãe, eu acho que você é a única que sabe que os Reis Magos trazem presentes a todos, mesmo que os meninos não sejam bons”.

Acaso tem meninos “que não sejam bons”?

As crianças yecuanas

Explica Jean Liedloff, autora de “The continuum concept”, o seguinte sobre os bebês e crianças yecuanas (tradução minha ao português, desculpem os erros):

“Mais para frente, quando tem lugar a educação doméstica, quando o pequeno suja o chão da cabana, é mandado embora dela. Mas nesse momento ele já está tão acostumado a se sentir ou a ser considerado adequado ou bom, que os seus impulsos sociais, à medida que vão se desenvolvendo, estão em harmonia com os dos membros da sua tribo. Quando um dos seus atos é rejeitado, a criança não entende que seja ele, senão o seu ato o que é condenado, e sente o desejo de cooperar. Ele não tem nenhum impulso de se defender de ninguém, nem de ver em realidade a situação desde nenhum outro ponto de vista que não seja o dos membros da sua tribo, já que eles são os seus verdadeiros aliados, como ele tem comprovado. Mesmo resultando uma terrível ironia, isso é o que significa ser um animal social”.

Você tem reparado em quantas vezes pais, mães, tios, avôs, vizinhos, professoras, garçonetes e todo adulto que se ache com o direito de fazê-lo (e não são poucos) fala para uma criança coisas como as seguintes?:

“Você esta se comportando muito bem/mal”, “que bonzinho ele é”, “não seja mau”...

Ou “melhor” ainda, combinado com ameaças e chantagens:
“Se você não se comporta bem não vai ter sorvete”, “você está sendo muito má com a priminha, se você não é boazinha vamos embora para casa”...

E pior ainda, colocando em jogo o amor dos pais e lhes responsabilizando do nosso estado de ânimo:
“Mamãe não vai te querer mais se você continua se comportando mal assim”, “papai esta triste porque você não está sendo boa hoje”.
As crianças, desde que nascem, são permanentemente submetidas a avaliações de pessoas que as julgam de “boas” ou “más”. Se elas dormem muitas horas ou arrotam sempre depois de mamar “são boazinhas”, se a pequena não se termina a papinha ou chega perto da tomada por enésima vez “é uma menina muito má”. E assim, com cada ato, movimento, barulhinho ou ação natural do seu desenvolvimento, a criança é avaliada e julgada. Catalogamos as crianças constantemente, e elas assumem esse papel de “bom” ou “mau” que nós lhes damos, agindo em conseqüência.

Cuidemos as palavras, não brinquemos com a autoestima das nossas crianças.

-Proibida a reproduçõ deste artigo sem o consentimento de:

Elena de Regoyos
-Doula de puerpério e assessora parental 
-Consultora de slings e amamentação
www.mamaedoula.blogspot.com
Tlf (Br) +55 19-9391 4134 / Tlf (Esp) +34 696 08 25 21

2 comentarios:

  1. Adorei o seu artigo Helena!Estais de parabéns..Concordo plenamente com tudo oque você falou,pois estou gravida e na 36 semana e tenho uma sobrinha de 3 anos que é totalmente reprimida com essas ameacinhas e na minha opnião ela é totalmente irritada com tudo isso e acaba fazendo varias coisas para chamar a atenção de todos,eu por sinal estava pensando como fazer para criar a minha filha de forma que ela não ficasse dessa forma pois sou mãe de primeira viajem(por falar nisso estou louca que você volte para que eu a minha princesa possamos ir a suas reuniões)então assim agradeço o seu artigo que pode me iluminar um pouco mais... Bjos


    Ass:Bianca Araújo

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    1. Bianca, grata gratíssima pelas suas lindas palavras. Fico emocionada.
      Você vai ser uma ótima mãe, porque tem o poder das mulheres para sê-lo :)
      Eu também estou com vontade de me re-encontrar com as mães da Tribo... Vamos ver como me organizo para retomar a atividade à minha volta, pois um mês depois nasce a minha pitufinha.
      Conte comigo. Um beijo.

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