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martes, 26 de junio de 2012

Como acabar com a autoestima de uma criança

É claro que tem crianças no mundo em situações bem precárias nutricional e higienicamente falando. Não pretendo comparar, pois não é o caso (e inclusive eu diria que elas são muito melhor respetadas na sua dignidade do que as nossas). Mas chegando aqui mais pertinho, na nossa sociedade, vejo como muitas crianças são tratadas diariamente e me pergunto, preocupada, que tipo de sociedade nós estamos criando para o futuro. As crianças de hoje são os adultos de amanhã, os que decidirão o rumo do nosso planeta que, como diz a música, “não tem parado nem um só momento, a noite acaba e começa um novo dia”.
Não vou, também, nem chegar tão longe agora como para debater os milhões de crianças que são criadas na base da tapa (ou pior), tema para ser tratado bem individualmente pela sua gravidade. Por enquanto vou ficar nas sutis agressões verbais que praticamente todas as crianças sofrem diariamente, dentro e fora de casa. Frases que saem de nós quase no automático, porque nós também fomos tratados dessa forma. São frases aparentemente “normais”, “inócuas”, ma que podem ferir, e muito, o coração e a autoestima de uma criança.

Este final de semana viajamos para a casa da bisavó, e os meus filhos tiveram que escutar coisas como as seguintes, e engolir a humilhação e o desrespeito como puderam:

-“Que dois meninos lindos! Qual é o mais bonzinho, heim? Com certeza o seu irmão é melhor do que você”

-“Não quer me dar um beijo? Então eu vou ficar com a sua irmãzinha para mim!”

-(Para mim, na frente deles) “Você teve outro menino? Ah, é uma menina? Uffa, que sorte finalmente!”

-“Espero que vocês ajudem a sua mãe com a irmãzinha, que com o trabalho que vocês já dão é suficiente!”

-“E a loirinha é boazinha? Porque depois destes dois... Já pode, né?”

-“Não vai comer tudo? Então não vai montar no cavalo, viu?”

-(Apôs um deles ter caído de uma carruagem) “Vai chorar como uma menininha? Isso não é nada moleque!! Agora vai ver como aprende se segurar!”

Que sociedade estamos criando, se tratamos as nossas crianças de hoje como se fossem só “coisas que perturbam a nossa paz”? Por que queremos ameaçá-las com roubar as suas irmãzinhas? Realmente pensamos que isso não lhes fere? Que não lhes asusta? Que não lhes intimida? Pretendemos que nos dêm um beijo sob ameaças? Que nome tem isso se acontece entre adultos? Pensemos...

A que tanta chantagem de dar ou não dar guloseimas ou prêmios se fazem ou não o que nós queremos que façam?

Como você se sentiria se fosse tratado dessa forma, com ameaças, humilhações, mentiras, chantagens e desrespeitos?

Eu sei que é difícil nos livrarmos destas frases que nos saem no automático, porque são as frases que escutamos diariamente desde que nós mesmos éramos crianças. São as frases “normais” aos nossos ouvidos, habituais no trato com uma criança. É muito difícil modificar um comportamento (o nosso) que sai de nós sem pensar, isso requer de um grande esforço, e mesmo sendo conscientes disso falhamos com frequência. Mas o mínimo é fazer esse esforço, o mínimo é nos perguntar a nós mesmos se isso que acabamos de dizer para o nosso filho ou para o filho da vizinha pode ser humilhante, frustrante ou assustador para ele.

Não acredito nisso da hierarquia vertical dentro de família, mas me criei nela e quase a diário me surpreendo a mim mesma caindo nisso, obrigando aos meus filhos a fazer as coisas nas que eu acredito, em lugar de deixar que eles mesmos reflitam sobre isso e tirem as suas próprias conclusões. Eles são seres sociais e empáticos por natureza, e eu vou estragando tudo isso lhes fazendo cumprir regras por simples obrigação.

Mas como lidar com dois irmãos que brigam e se batem até se machucar, sem ser autoritária? Como conseguir que “se comportem” sem incomodar os outros, num espaço concebido só para o desfrute adulto, como um restaurante, um casamento ou a casa de uma amiga? Inclusive, como fazer que “se comportem sem incomodar” num espaço também pensado para a diversão infantil, como uma piscina? Complicado... Complicado, sim.

Enquanto eu escrevo isto meus filhos acabam de jogar uma almofada pelo ar na casa da minha mãe, quase quebrando um vaso antigo, e estão se batendo e xingando. Como lhes fazer parar sem ser autoritária? É o nosso grande desafio fazer isso numa sociedade não apta para crianças, com casas não aptas para crianças e mentes não aptas para o comportamento natural, selvagem, instintivo e livre de uma criança.

Confiamos em que vão acabar sabendo se comportar educadamente só dando exemplo? E outra... somos capazes de dar esse exemplo? Nós mesmos temos o comportamento que esperamos que eles tenham? Eles são, como digo, empáticos e sociais por natureza, e por tanto vão acabar se comportando de uma forma empática e sociável, sim. As regras de educação em locais públicos, por exemplo, não são “naturais”, por tanto eles vão ter que aprendê-las, claro.

Mas sabemos, também, que eles aprendem por imitação, principalmente imitação dos seus pais, assim bastaria com ir acompanhados deles nesses locais públicos, por exemplo, e nos comportarmos educadamente, segundo as regras estabelecidas socialmente. Eles vão imitá-lo aos poucos (é questão de anos, não de dias nem meses), igual que eles imitarão o nosso comportamento educado ou mal educado que nós tivermos com a pessoa que pula a fila no supermercado. Se formos autoritários e lhes faltarmos ao respeito, como fazemos quase a diário (porque nós também imitamos o que fizeram com nós), como eles serão quando adultos?

Acaso nós nos perguntamos os motivos pelos que eles estão agitados nessa hora? Fazemos alguma coisa para ajudá-los a “se comportar”? Pretendemos que o façam por iniciativa e esforço próprios? Talvez eles estejam entediados nesse lugar não apto para crianças? Precisam de atenção talvez? Querem que alguém brinque com eles ou lhes escute um pouco nessa reunião chata de adultos?

Façamos um exercício... Antes de dizer ou fazer algo para uma criança, pensemos se diríamos isso mesmo para um adulto, se o trataríamos do mesmo jeito como pretendíamos fazer com a criança. Garanto que vamos nos surpreender.

Elena de Regoyos-Doula de puerpério e coach parental
-Consultora de slings e amamentação

www.mamaedoula.blogspot.com

3 comentarios:

  1. Nossa, Elena!!
    é assim mesmo... como fazer para não ser autoritária, mas educa-los com carinho e responsabilidade?? O que fazer quando eles se batem? O que fazer quando não querem por roupa de frio no inverno? Quando não querem dormir na hora de dormir? Não querem entrar no carro na hora de sair (principalmente qdo estamos atrasadas para nosso compromisso - de adultos)?
    Como conciliar a nossa vida (responsabilidades) de adultos e as necessidades das crianças?
    Você disse tudo: como não queremos que eles não sejam autoritários se nós acabamos sendo com eles? Se isso é "normal"?
    temos muito o que pensar....
    carinhosamente,
    Luciana

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  2. concordo integralmente com tudo, elena... não que seja fácil (quem disse que seria?), mas berrar, apanhar, desqualificar, comparar, e colocar rótulos que cristalizarão comportamentos definitivamente não é o caminho... e o exercício de pensar num adulto no lugar da criança em geral é simplesmente ignorado, tá tudo dado como normal, natural... muito triste!
    parabens pelo post.

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  3. Pois é meninas...
    Obrigada pelos seus comentários! :)

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