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lunes, 11 de abril de 2011

O puerpério e as falsas expectativas da mulher grávida


“O ponto de partida é o parto, quer dizer, a primeira grande desestruturação emocional”. Nem mais nem menos. As palavras da psicóloga argentina Laura Gutman são demolidoras, mas também necessárias para compreender esse lugar tabu na emocionalidade de uma mulher, que é o seu puerpério, não importa que seja do primeiro, segundo ou quinto filho.

Resulta praticamente impensável que uma mãe não se sinta sozinha em uma sociedade onde “puerpério” é entendido só como os primeiros 40 dias após o parto ou, no melhor dos casos, as escassas semanas que o governo outorga de licença-maternidade à mãe. Uma sociedade que entende a palavra puerpério como “um período de recuperação física depois do parto”. Uma sociedade que não leva em conta a fragilidade emocional de uma mulher que, infelizmente com muita freqüência, entra no caminho da maternidade através de um parto que a afasta dela mesma, tendo sido só platéia em lugar de atriz principal na hora de trazer seu filho ao mundo, tendo sido um fantoche mexido por uma equipe médica que só pedia para ela não perturbar o “seu” trabalho.

Para uma mulher que vive isso, que é fragilizada desse jeito na hora de virar mãe, “infantilizada” como a própria Gutman descreve, é difícil que se sinta capaz de confiar nas suas próprias capacidades como mãe, porque já perdeu grande parte da confiança que poderia ter nela mesma.


Chega em casa e a avó opina, a sogra opina, a amiga que já teve filhos opina, a enfermeira na revisão opina, a apresentadora da TV opina, até a vizinha opina. A mãe, que se encontra com a sua própria realidade física e emocional em plena reestruturação, recebe opiniões de todos, mas conforto real de ninguém. Ela sente-se criticada positiva ou negativamente em tudo o que faz como mãe, mas ninguém lhe dá esse abraço que ela está precisando, ninguém oferece uma ajuda prática para estender as suas roupas no varal, por exemplo, para que ela possa fazer o que quer, o que deve, o que todo o seu ser pede para fazer: simplesmente cuidar do seu bebê.

É, ou deveria ser, tão simples quanto se deixar levar pelo instinto. Como a antropóloga americana Jean Liedloff explica no seu livro “The Continuum Concept”: “Não é competência da faculdade intelectual decidir como se deve tratar um bebê. Muito antes de nos convertermos em algo parecido como o Homo Sapiens, já tínhamos uns instintos completamente precisos, especialistas em cada detalhe da criação dos filhos. Mas hoje temos conspirado para confundir esse antiqüíssimo conhecimento.”
Essa mulher, que brincava com bonecas quando criança, passou nove meses idealizando o que seria ter um bebê no colo, com cheirinho de produto infantil, beijá-lo enquanto dorme com a cabecinha apoiada no ombro dela, dar um banho e passar hidratante olhando o seu sorriso, dar de mamar enquanto lê um livro, sair a passeio e, à noite, deixá-lo adormecido no berço azul céu do quarto, para assim ela ir se aconchegar com o marido no sofá assistindo aquele seriado do que eles tanto gostam.

A mulher real, a que não brinca mais com bonecas e sim cuida de um filho, pedaço do seu ser, comprova que a realidade é que o bebê quer mamar o dia todo (o que é muito bom para garantir um bom aleitamento e a adequada produção de leite da mãe), chora e ela nem sempre consegue acalmá-lo, reage como se o berço tivesse espinhos e regurgita permanentemente sujando roupa, mãe e sofá. E a mãe se preocupa, não sabe se é normal, não confia no seu instinto, não tem referências porque também ela não participou de “tribo” nenhuma, nem cuidou de filhos de vizinhas nem conviveu com a irmã ou prima que já teve filhos. Sente-se sozinha e insegura.

Cadê a mulher que eu já fui?
E assim é que essa mulher que lidava com chefe e colegas, que armava um esquema com amigos em questão de minutos, que curtia uma viagem de relax com o marido na praia, não é mais nada disso, e sente-se reduzida a uns peitos que alimentam física e emocionalmente um ser que reclama atenção e cuidados intensos e constantes. Ela se vê transformada em uma mulher que perdeu a conta dos dias que faz que teria que ter ido à depilação, que mal consegue fazer uma refeição inteira, que não pode tomar um banho sem a angústia de sair rapidamente para atender o bebê que chora lá do outro lado do vidro e cuja máxima ambição é conseguir dormir algumas horas seguidas.

“O que está errado?”. Ela se pergunta com sentimento de culpa: “Ser mãe não é maravilhoso? Não deveria me sentir flutuando em uma bolha de felicidade com este meu filho que tanto quis ter?” Pois é. Assim que é e assim que pode ser. Mas para isso a mãe precisa de muita conexão com ela mesma, de muita aceitação da pessoa em que ela se transformou, de muita preparação emocional, de apoio, de amor, de compreensão e coragem por parte dela mesma e de quem pretendam assistí-la. Porque ela virou um ser frágil igual ao bebê e tem que aceitar que merece tantos cuidados quanto ele, para assim poder atendê-lo como merece. Se ela é cuidada, ela poderá cuidar.

E, aceitando que esse é seu momento agora, poderá realmente virar mãe, se esquecendo do ritmo frenético da sociedade da qual veio e à qual, com certeza, voltará quando sair do seu puerpério; mergulhando nos ritmos e na anarquia espaço-temporal do bebê; se deixando inundar de um mundo dirigido por emoções, que é o mundo do bebê, onde não cabe a razão.

Minha mãe sempre me disse que “a maternidade é um caminho muito solitário” e eu realmente acredito que, hoje em dia, esse é um sentimento comum a todas as mães, em maior ou menor medida. Mas também acredito que a maternidade não deveria ser um caminho solitário, como realmente é, e é daí que vêm muitas das depressões puerperais. Uma pessoa que tem que cuidar as 24 horas do dia, os 7 dias da semana, de uma criatura, não pode estar sozinha. Não deve estar sozinha. Na sociedade de hoje em dia, porém, ela está. Já não tem mais a tribo, já não tem mais a comunidade de antigamente.

Reinventando a "tribo" perdida
Moramos longe da família, em apartamentos ou casas isoladas, mal conhecemos os vizinhos. E a mãe está realmente ilhada, precisando dessa “tribo” que a acolha, a ajude e a compreenda; dessa comunidade com a qual possa dividir a intensa e maravilhosa tarefa de criar os filhos, não só seus, senão da “tribo” inteira, como diz o velho ditado:

“Para criar um filho é preciso da tribo inteira”.
Essa “tribo” hoje não existe mais na nossa sociedade. Talvez nas populações com menor poder aquisitivo, por sorte para elas, exista ainda um pouco dessa comunidade que ajuda a mãe a criar seus filhos. A partir dessa carência de “tribo” é que o papel do marido toma uma relevância gigantesca. Não para trocar fraldas, não (também...), senão para agir como sustentador emocional da sustentadora principal da criança que, gostemos ou não, é a mãe, principalmente durante os primeiros dois anos, até o pequeno aprender a diferenciar o “eu” do “você”, e começar, então, a se sentir uma pessoa distinta da mãe. Até então, eles dois estão fusionados de tal forma que o que um deles sente, o sente o outro também.

Uma mãe puerpera, entendendo o puerpério como, no mínimo, os primeiros dois anos de relação mãe-bebê, precisa de alguém que a sustente porque todas as energias dela estão colocadas na criança. E é assim, sabendo-se protegida e cuidada, e tendo a coragem de se submergir na voragem emocional que a maternidade trouxe com ela, que ela pode, finalmente, desfrutar da maternidade e vivê-la como merece. Senão, passará o tempo todo se cobrando não ser a mesma de antes, mas com um bebê-boneco no carrinho. Ela precisa compreender que já não é mais a mesma de antes, precisa se amar no seu novo papel, o papel de mãe, mas não aquele papel de mãe com o qual ela fantasiou desde criança e mais ainda durante a gravidez, pressionada por uma sociedade pouco ou nada respeitosa dos ritmos puerperais, senão a mãe que ela é realmente, com tudo o que ela pode aportar ao seu filho real. Ela precisa confiar nos seus instintos de mulher, que a fizeram mãe, e para isso não pode estar sozinha, não pode se sentir sozinha.

O marido é vital, mas senão -ou também- uma doula pode fazer esse papel de sustendadora-apoiadora da nova mãe. Sem dúvida é uma figura que está surgindo com força, não só no momento do parto, mas antes e depois dele, porque é uma figura que as mulheres estão precisando mesmo, por causa dessa solidão.

Cada vez tem mais grupos de apoio à maternidade que suprem a “tribo” perdida; às vezes, formam-se como extensão do grupo de preparação ao parto, mas já das mães com os seus filhos. Nesses grupos, a nova mãe sente-se compreendida e acompanhada, vê que não é a única, que as outras estão passando pela mesma situação e, juntas, podem desfrutar, falar, escutar, chorar, gritar, rir, se observar e brincar.

Marido, doula, grupo de apoio, todos eles são bem vindos “desde que sejam pessoas amorosas e sábias as quais a nova mãe possa delegar o máximo possível das preocupações do mundo material”, explica a Gutman, cuja definição do puerpério, exposta no seu livro “Puerperios y otras exploraciones del alma femenina” eu acho acertadíssima:

“O puerpério é uma abertura da alma. Um abismo. Se estivermos dispostas a mergulhar nas águas do nosso eu desconhecido.

O choro da mãe, o desconcerto, a dor ou a angústia durante o puerpério são simplesmente sinais que nos indicam uma virada nas nossas vidas, já que estaremos obrigadas a mudar radicalmente nossa forma de pensar, de sentir, de ser e de amar para nos vincular com um bebê recém nascido que sente, ama e percebe em outra dimensão”.

É, portanto, um período de sombras que emergem incontroladas revivendo, agora como mães, o que já vivemos como filhas, principalmente o que nossa razão tinha reprimido. É um momento de reencontro com nós mesmas através do nosso filho, de esquecer o ritmo voraz da sociedade que nos quer de volta para si tal e como éramos antes de virar mães, uma sociedade que não compreende, nem aceita, que possamos ficar dançando uma velha melodia com nosso bebê no colo, sem nos importarmos com a moda fashion, nem com aquele “happy hour” das sextas feiras com os amigos, até nem mesmo com o sexo com o marido, porque nada disso tem espaço na nossa nova vida de mães puerperas. E vai voltar... Mas não agora.

“Me respeite tal como eu sinto a minha maternidade, me aceite com as minhas novas emoções. Me acolha, por favor”. É o que grita por dentro ao mundo inteiro uma nova mãe com seu bebê no colo. Então, respeitemo-la, aceitemo-la, acolhamo-la.

10 comentarios:

  1. Lindo texto, Elena. E ótima iniciativa esta do blog.

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  2. Obrigada Leo!! Vamos devagar, mas vamos indo, né? Hoje é a oficina da slings no Iguatemi. Pena de horário complicdao :(

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  3. Esse texto parece que foi escrito para mim. MUITO OBRIGADA! Lê-lo me ajudou a compreender e aceitar muitas coisas.
    Esse período tem sido difícil para mim, que sempre fui muito racional, mas estou tentando ao máximo me conectar com a mãe instintiva que toda mulher tem dentro de si e também me conectar com minha bebê (aquela pequena que serviu de 'modelo' na oficina de sling), que acabou perdendo um pouco de mim nesse primeiro mês.
    Obrigada novamente!

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  4. Erika, muito obrigada pelo seu retorno. Eu queria agradecer novamente a generosidade que você teve comigo me oferecendo seu bebê na feira. Foi demais. Sentir esse cheirinho de bebê de novo no meu colo, esses barulhinhos, essa sensaçao dela entrar no sling e ficar dormida apoiada em mim... Que coisa maravilhosa!!

    Parabens pela sua maternidade. Fico feliz de você ter gostado do texto. Eu acho que o -nao tao- simples fato de você reconhecer o que esta acontecendo no seu universo emocional, é um grande e importante passo. Parabens!!

    Eu sou doula, como você talvez saiba, e isso nao é só para gestantes e parturientes... eu acho que "doulas de puerpério" sao bem úteis também, para acompanhar às maes em essa mergulhada no universo do recem nascido, dando nome às emoçoes que estao sentindo, interpretando essa vivencia interior dela, nao julgando nem criticando. Simplesmente maternando à mae para que ela possa maternar seu filho.

    Se você sente que isso pode fazé-la bem, pode me ligar.

    Um forte abraço para você e sua filha, que me fez sentir tantas coisas boas. E obrigada novamente!!

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  5. Nossa... Que texto maravilhoso, com certeza saber de tudo isso me tornará um marido mais capaz de compreender a minha companheira e dar forças para ela nesse momento.
    Gratidão.

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  6. Grata, gratíssima a você, João.
    Que felicidade ver homens também por aqui, se interessando por estas coisas que tantas pessoas consideram "de mulheres"...
    Com certeza você já é e vai ser um ótimo companheiro não só no puerpêrio, senão no dia a dia da sua mulher, pois demonstra uma sensibilidade maravilhosa só tendo dedicado algum minuto para ler sobre estes temas.
    Parabens e um forte abraço para você. Conte comigo para o que precisar :)

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  7. Esse texto é mesmo um primor! A autora consegue dar voz a sentimentos tão expressivos desse momento que normalmente as mulheres-mães não conseguem dar (ou não querem explicitar) para outras futuras mamães. Quando estamos grávidas, e conversamos com outas mães, ouvimos que “a vida muda”; “vira de ponta a cabeça”; “é muito trabalhoso”, “é muito intenso”.... mas pouco ou nada ouvimos sobre esse sentimento de solidão que nos pega; do peso da responsabilidade que confusamente nos envolve, pelo menos quando se trata do primeiro filho. Ouvimos uma ou outra fala sobre choro, tristeza, que acabamos por perceber como resultado de depressão pós-parto... Um compartilhar tão importante e mais amplo do que o próprio depoimento acaba por ser catalogado em um plano muito superficial de compreensão. É mesmo uma Mudança marcante essa tal maternidade; para começar é ‘para sempre’, e quando se está ‘só’ nesta empreitada, quero dizer, sem a rede social familiar, sem a avó (do bebê, nossa mãe, ou alguém tão intima quanto) especialmente falando, fica mesmo mais solitário (assim como senti), mesmo para um pai participativo. Minha mãe veio ficar conosco por 7 dias (era o que podia no momento). Nós dois (eu e meu marido) assumimos o nosso filho e minha mãe assumiu a filha dela, no caso, eu. Quando deu o tempo dela ir, nossa, foi difícil; a perspectiva dos dias futuros parecia pesada; eu queria passar a bola, mas como? Por alguns dias, todo fim de tarde era uma tristeza assim como eram pesadas algumas manhãs. A sorte foi que meu marido foi muito sensível e ficou bem mais presente ao longo dos dias. Sua participação foi especial: sim nas trocas de fraldas, banho... mas também e especialmente junto a mim, me cuidando, me acompanhando. Sentir-se cuidada faz mesmo toda a diferença! Algumas amigas queridas, como a própria Elena, nossa doula, procuraram se manter presentes, oferecendo sempre ajuda, ligando; isso também foi reconfortante, trouxe sopros de felicidade por dar a certeza da amizade, dessa disponibilidade de companhia; de ajuda... Porém, na prática, achei difícil usar a ajuda, por exemplo, na lida com o bebê ou em alguma tarefa doméstica (como atuou minha mãe); ela se deu mais no plano emocional através das conversas!! O que foi muito especial, claro! Penso que se não praticamos essa troca física no dia a dia, fica difícil lançar mão dela quando ganhamos um bebê; como bem diz o artigo, já estamos acostumadas a lidar com uma realidade mais solitária na solução dos problemas diários, postura que acaba por nos acompanhar no pós-parto. O artigo me toca em muitos pontos que poderia refletir e refletir com vocês. Trocar! Discutir! Mas lá vai tempo para isso. Então, deixo aqui essa pequena reflexão! Depois vou escrevendo outras! Para finalizar, só queria dizer que encarar de frente esta mudança de vida é mesmo coisa para gente grande! E, obrigada!, Elena, por compartilhar esse texto conosco. Se a autora foi perspicaz e sensível em descrever essa fase de vida insuficientemente explicitada pelas mulheres, mas intensamente sentida e vivida por nós, você foi muito afetuosa em compartilhá-lo, humanizando ainda mais essa fase que a sociedade de modo geral tende a hiper naturalizar minimizando, ou não relevando, a importância devida. Um beijo no coração, especialmente agora que revive esse momento! Estamos aqui para o que precisar! Dani Abreu

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  8. Nossa Dani, você me fez chorar... Agora eu estou nesse momento, né? E a minha mãe vai embora amanhã, após um mês de companhia diaria, aetade dele já com a Alicia no colo. Vou me sentir bem sózinha mesmo... Puerperio é puerperio, no primeiro filho e no terceiro. Obrigada pelas suas palavras :)

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  9. Querida Elena, este texto é MARAVILHOSO!!!! Tão completo! Demais!!! Peço sua autorização para republicar este texto com os devidos créditos no blog Bibliografia da Doula. Acho que é o tipo de reflexão que todas as doulas devem ter durante sua formação.
    Um grande abraço!

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    1. Olá Adèle, muito obrigada por suas palavras.
      Pode republicá-lo, sim, com o nome da autora, blog e link ao site original.
      Lhe agradeceria que me enviasse link uma vez publicado lá.
      Um beijo!

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