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martes, 10 de septiembre de 2013

Da falta de coragem para encarar as novas fases e dos filhos como objeto de consumo

Acabei de ler um artigo de minha amiga e magnifica escritora Fernanda França sobre a maternidade. Nele reage contra o augurio social de que, na maternagem, tudo sempre "vai piorar" defendendo a idéia de que, para ela, muito pelo contrário: só melhora. "Nem piora, nem melhora", tenho escrito nos comentários, "apenas muda", e cada fase com as suas gostosuras e, claro, também com os seus desafios. Recém nascido, bichinho indefeso com cheiro de útero, bebezão gostoso que sorri, engatinhador que conquista o mundo, caminhante que desafia as proprias limitações, falador de primeiras palavras que da vontade de guardar numa caixinha dos tesouros para sempre... E assim por diante!

Lembrei, então, daquele artigo que quero escrever faz dias.

Hoje mesmo também respondi um email para uma amiga, mãe amantíssima, mulher maravilhosa, que estava muito preocupada pela mudança de sentimentos em relação ao filho de três anos. Não se sente mais apaixonada por ele, sente necessidade de se abrir a um mundo de opções e oportunidades que a estavam aguardando lá fora e se cobra ao respeito. "Não deveria me sentir assim", pensa.

E então veio de novo me rondar o artigo querendo ser parido. E sentei de uma vez para tentar escrevê-lo (com permiso dos meus três filhos). Vamos lá, então. Vou começar, consciente das inúmeras interrupções com as que vou ter que lidar.

Mudar, aceitar, se adaptar ou morrer... de frustração

A vida toda é passar de um contexto e momento vital ao seguinte. E isso, sim senhor, implica renuncias, assim como também ganhos. Melhor? Pior? Depende de para quem. Eu diria que diferente. Vamos, então, aceitar a nova realidade e nos adaptar a ela, ou preferimos viver frustrados ao perceber que é materialmente impossivel que "tudo seja como antes"?

Quando passamos de bebê a criança perdemos coisas tão gostosas como o colo permanente, por exemplo, para ganhar independência de movimentos e escolha. Depois, ao chegar a adolescência, ficamos sem esses cuidados mais mimosos que toda criança merece (ainda me lembro das batatas fritas caseiras só para mim que tinha sempre na hora do almoço em casa, e que aos poucos foram sumindo do panorama) para curtir mais o mundo além do lar, os amigos, primeiros namoros, segredinhos cheios de emoção, todo um mundo lá fora esperando ser conquistado!

E chegamos a juventude familiarizados com aquele mundo lá fora, no qual nos movimentamos confortavelmente, mas sentindo inmensas saudades da emoção daquelas primeiras descobertas. E acabamos a faculdade, aqueles anos loucos e com frequencia sem grandes preocupações, para encarar a realidade do mundo laboral. Agora seremos mais independientes, sim, mas cadê o "faço o que eu quero práticamente quando eu quero"?

E podemos namorar, talvez casemos, ou viremos freira ou padre, cooperante internacional... Tanto faz! Vamos fazer escolhas conscientes para passar, sempre, ao estatus seguinte, que vai trazer mudanças à nossa vida, e que implica renuncias, também, irremediavelmente. Quer encará-las ou vamos bricar de "aqui não aconteceu nada"?

E chegamos aos filhos

Porque é essa, precisamente, a impressão que tenho com uma grande maioria de casais que vem a ser pai e mãe. Passam uma gestação linda talvez se preparando para o parto, e imaginando daqui a uns meses um bebê fofissimo e gorducho no berço, nova decoração na casa, agora com mobiles e papel de parede no antigo quarto de hóspedes. Daí o bebê chega e a maior necessidade desse casal, de pronto, parece ser "ir voltando ao normal" quanto antes, "retomar a nossa vida", e outras similares.

Tsz, tsz... vocês já estão vivendo a sua (nova) vida, viu? O que é exatamente "voltar ao normal", "retomar o ritmo ou a vida"? Voltar a ser crianças, ou talvez adolescentes?
-"Ah, não, isso já ficou para trás".

Voltar a namorar, morando na casa dos pais?
-"Não, não, já não estávams mais nessa".

Então o que é o que vocês querem?
-"Pois é... o que queremos é voltar a nossa vida de quando éramos um casal apenas, antes de ter filhos, só que agora com filhos... Só que não, né? Porque é isso aí, agora temos um filho. Ai Jesus, e agora?"
E daí que a ficha (pode) cai(r).

Sempre lembro que em algum livro ou artigo do pediatra Carlos González, ele diz que do mesmo modo que os noivos fazem despedidas de solteiros quando vão mudar de estatus, antes de casar, os casais sem filhos deveriam fazer um tipo de ritual similar quando estiverem esperando um filho, para começar assimilar a mudança de estatus e o que ela vai lhes trazer junto. Acho uma idéia ótima de se pensar.

Opções para todos os gostos

Bom, para alegria de muitos pais e mães, e para tristeza dos filhos deles, tem autores super mega famosos e enriquecidos que vendem milhares de livros e programas de TV sobre coisas que você pode fazer para "poder retomar a sua vida", mesmo depois de ter um filho. Coisas que fazem com que, a pesar de você agora ter que tomar conta e velar pela felicidade, segurança, estabilidade e saude de alguém totalmente vulneravel, você consiga seguir com a sua vida como se não fosse assim.

Me explico. Se o bebê resulta que vive chorando para "conseguir que" você o pegue no colo de forma quase permanente os primeiros meses, tem técnicas para que ele se malacostume ao carrinho ou berço, e deixe de encher o teu saco. Ou senão, você paga uma babá e pronto, enche o saco dela e não o seu. Você pode seguir com as suas coisas, "retomar a sua vida".

"Ah, não, mas é que esse serzinho precisa se alimentar, e dizem que se é a travês de mim, sua mãe, é o mais recomendavel. Gente, mas ele quer se alimentar toda hora, que saco, assim não consigo fazer as minhas coisas". Pois é... Então tem pessoas dispostas a te fazer crer que não é tão importante isso de amamentar, e que agora você pode enfiar neles um leite de fórmula (leite de vaca modificado, em pó), em mamadeira, que pode ser dada por qualquer pessoa, e assim não tem que ficar a disposição do bebê, podendo "voltar à sua vida".

"Mas e de noite? Ele acorda gente! Todas as noites! Várias vezes! Inclusive agora que já se passaram X semanas, meses ou anos!". Bom, ai temos também autores que explicam como podemos ignorar o nosso filho, mesmo ele vomitando de tanto chorar!, com tabelas de tempo e substitutos de pelúcia para mitigar a nossa culpa, até ele se resignar ao abandono noturno aprender a dormir sozinho e não nos chamar mais de noite. Assim poderemos "recuperar a nossa vida", com as suas noites inclusive.

Técnicas e opções, todas estas, que anulam o filho, para ele não atrapalhar a nossa vida, e poder seguir na maior medida possivel, com "a vida de antes". Temos um filho, podemos levá-los para passear lindamente vestidos, fazer festas multitudinarias de aniversário e presumir de dobrinhas (só deles) nas fotos do facebook, sem por isso vermos práticamente alterada a nossa "vida normal", a de antes, aquela na qual dormiamos a noite toda, saiamos com os amigos, faziamos viagens e usavamos salto alto.

Ter um filho: o último objeto de consumo



E eu me pergunto: essas pessoas queriam filhos ou bonecos? Porque, vou te contar, vendem uns bonecos (art reborn, chama-se) inspirados em bebês reais, carissimos porém lindos de morrer (quero um, aviso, um dia me dou o capricho para passear com ele de sling e matar as saudades quando a minha pequena crescer), que são uma maravilha. Tamanho, peso, feições, cabelos, veias e demais detalhes de bebê real, feitos artesanalmente. Autênticas obras de arte! E olha só, eles não choram, não precissam ser amamentados, dormem as 24 horas do dia e nem cocó eles fazem!

Porque a impressão que eu tenho é que, na sociedade consumista de hoje, ter um filho é o último grande capricho. Tipo assim: "Ontem comprei uma bolsa, hoje fui ao show daquele cara de moda, amanhã quero fazer uma viagem internacional, e depois posso ter um filho, que já "ta na hora". Bom, melhor uma filha, que é mais fofa e vem cheinha de complementos e opções: fitas para o cabelo, brincos, mini bikinis, vestidos e saias, sandálias com brilhos e muito mais". Tem para todos os gostos, viu? Meninas para mamães clásicas, de laço e fita; meninas para mamães modernas, hippies, esportistas... O bom do consumismo é que se adapta a todos.

Ontem, hoje e amanhã

Mas o que tinha a ver o artigo da Fernanda França e a conversa com a amiga triste com tudo isso? Tinha a ver que a vida é deixar uma fase para passar a outra. Sempre assim. Às vezes para melhor, outras para pior, e a maioria simplesmente diferente. Com suas perdas e seus ganhos. Se é consequencia de escolhas nossas, é covarde não aceitar os desafios e se adaptar as novidades, e não ajuda em nada não fazê-lo, ademais. Se é consequência do proprio decorrer da vida (nascimento, crescimento, morte), de que adianta negar a nova fase? A quem queremos enganar? E quem sai prejudicado? Lamentavelmente nos enganamós só a nós mesmos, e a quem queira acreditar que "a vida pode voltar ao normal" (que não são poucos!), mas se tratando de filhos, quem sai prejudicado é a criança.

A minha amiga está também mudando de fase, saindo do puerperio, do apaixonamento eufôrico inicial natural pelo filho, necessário para cuidá-lo como uma leoa e criar esse vínculo que vai durar a vida toda. Agora essa paixão tem virado amor. Amor incondicional, que não é mais paixão. E é para ser assim mesmo, porque senão a gente não vive, vendo os filhos crescerem e voando livres. Termina o puerperio e eles começam deixar de ser "nossos" para começar a ser cada vez mais "deles mesmos". Novas fases chegam: agora o corpo nos pede voltar a focar em nós, nos nossos projetos. É empolgante, é uma nova fase. O filho vai ser sempre prioridade na nossa vida mas estamos, de novo, abertas ao mundo e a nós mesmas.

A vida, gente, não "volta ao normal" nunca, seja o que fôr que tenha acontecido nela, porque "o normal" não existe, o normal de hoje é o que são as coisas no dia de hoje. E a vida é diferente cada dia, porque nem nós mesmos somos hoje a mesma pessoa de ontem, nem o entorno é o mesmo em que vivemos ontem. Tudo, a gente principalmente, muda a cada dia. E se chega um filho às nossas vidas, nem se fale então. Um tempinho mais limitado enquanto cria e curte o bebê, que depois vai voltar a sair de noite se quiser, e a fazer viagens. De novo, sim, mas não da mesma forma, porque você e o seu contexto não são mais os mesmos! Quer voltar à sua vida de antes? Sinto lhe informar que... não pode! Encare a vida de agora, se adapte a ela e a viva em plenitude, aprendendo a expremer o suco gostoso que ela está te oferecendo, em lugar de ficar lembrando do gosto do suco que tomou ontem, e que já acabou.

Texto de Elena de Regoyos para MamaÉ
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